terça-feira, 23 de outubro de 2007

Sonetos de Ocasião

Do meu querido Amigo Carlos Santos Bueno, a quem agradeço, recebi há pouco estes encantadores Sonetos de Ocasião que, segundo as palavras dele, são "quatro sonetos inocentes. Sim! Daqueles que não fazem nem dizem mal."
Achei que era justo partilhá-los com os meus amigos que apreciam boa poesia, para que se saiba que em Portugal há quem a faça.


O Elogio da Loucura

Por vezes a loucura salva,
Do branqueamento da razão,
Da memória, e da marialva,
Estrela da vã inquietação!

Porque louca é a ressalva,
De quebrar, esmorecer em vão,
E morrer como a murcha malva,
Num baldio duma estação!

Porque louca é a grinalda,
Que recebe o vento, e não,
O louco que vive em plena balda,

Para o que pensa a opinião,
E senão, que seria que nos salda,
Numa velha e pobre Nação?

27/09/2007


Psicologia de Massas

Os povos como colectivo, e em rebanho,
Comportam-se como indivíduos solitários.
Se lhes prometemos um burro e um anho,
Logo se desfazem em prós e contras vários.

Mas se topardes, e vos fizerdes tacanho,
Indo como eu, de solitário em solitário,
Vereis aparecer de novo o rebanho,
E minarás o espírito do vigário.

Ou como alerta cá o psicólogo de massas:
Cuidadinho com as leis totalitárias,
Que daqui a cinco ou dez anos cá passas,

Morreram os teus pais, e tias várias,
E os teus filhos perguntarão às mulheres devassas,
Se deveriam ter nascido nas leis primárias.

1/10/2007


Nos Verdes Anos

Nos verdes anos fiz um poema,
Nos verdes anos o vivi!
Nos verdes anos fui ao cinema,
E com isso me comovi!

Nos verdes anos, um diadema,
Pus nos versos que escrevi!
Mais vale um bom fonema,
Do que um erro no que revi.

E se fosse antes um telefonema,
Só queria ter a vantagem,
Que tem o som do meu lema:

Mais vale um bom selvagem,
Do que mudar em vão de tema,
Nos verdes anos de camaradagem!

9/10/2007


Portugal Kazaquistão

Tarde de futebol à quarta,
Portugal Kazaquistão.
É isto uma tarde farta,
Não vejo ninguém, não.

Está tudo preso, aparta,
De mim, a televisão,
O Pedro, a Tia Marta,
E o resto da Nação.

É um prodígio ver a malta,
A divertir-se e a torcer,
Eu cá vou na ribalta,

Sou um português sem ser,
Adepto da falsa falta,
Que ganhe Portugal a ver.

17/10/2007

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Gustav Klimt


Uma outra forma de escrever poesia:

THE KISS
Gustav Klimt (1868-1918)

Amor que morre

Meus Amigos, não fazem ideia do que me tenho rido à conta da 'minha' fotografia, que está no meu perfil... Ahahah...
Peço que me desculpem, os desconhecidos, vítimas inocentes desta brincadeira.
Tratou-se efectivamente e apenas duma brincadeira com um amigo que me desafiou para construir um blogue sobre Poesia, a paixão da minha vida.

Para 'espalhar a confusão' entre aqueles que conhecem a minha verdadeira imagem, e apreciar e analisar as reacções deles, resolvi 'inventar' uma fotografia, na verdade duas. E muito tenho aprendido com os comentários e críticas de que fui alvo. Não só dos meus amigos, com quem tenho falado pessoalmente, mas com as montanhas de e-mails que me chegaram, muitos de desconhecidos, com os comentários, os convites e as propostas mais inverosímeis que possais imaginar. Eu não fazia ideia que tantas pessoas desconhecidas aqui viessem e que iria provocar tantas 'ondas'. Pensava eu que apenas iria perturbar os que me conhecem...

A todos peço mil perdões e espero que isto não vos desmotive de virem ao meu blogue.
Mas agora acabou. Daqui a pouco a Elsa 'cheiinha' vai desaparecer... e evaporar-se no vácuo. Quem gosta dela, o melhor é aproveitar agora para copiar a imagem para o computador...

Para me penitenciar da maldade que vos fiz, e voltar ao correcto rumo deste blogue, deixo-vos uma poesia daquela que para mim é a maior poetisa de sempre: Florbela Espanca.


AMOR QUE MORRE

O nosso amor morreu... Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!

Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...

Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos para partir.


E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há-de vir!

Florbela Espanca (१८९४-1930)

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

a verdade

Queridos amigos e visitantes:
Tenho uma confissão a fazer...
A fotografia que apareceu até agora no meu perfil NÃO sou eu.

Os meus amigos, que me conhecem bem, deram logo por isso, claro!

Alguns brincaram com o assunto, outros limitaram-se a sorrir, mas um foi mais longe e mais fundo, o Artur M. da Gama.
Talvez por ser o colega com quem tenho relações profissionais, e não só..., mais íntimas e profundas e que melhor me conhece, as palavras dele soaram-me duma forma mais imperativa.
É verdade. A imagem que aqui surgia não sou eu. Na verdade trata-se da fotografia duma querida amiga minha, a Sónia, a quem agradeço ter-me emprestado a imagem.

É lícito que eu reponha a verdade, a bem da honestidade que acredito dever ser a nossa referência primordial.
Assim, aqui fica uma fotografia - verdadeira - da minha pessoa, tirada ontem propositadamente para este blogue.
Esta fotografia, podem acreditar, sou mesmo eu.
Os meus amigos, que me conhecem e que privam comigo, sabem que é verdade.

Beijocas para todos,
Elsa Soares Regojo

domingo, 7 de outubro de 2007

Com o Sol à lareira

Esta é uma poesia que escrevi numa chuvosa e particularmente fria e escura noite de Inverno.
Já passaram quatro anos desde esse dia e foi com ela que comecei a interessar-me por escrever poesia. Achei uma ocupação divertida para os tempos livres e solitários e até hoje nunca parei de o fazer. A Poesia é a minha companhia de todos os dias.
Por ter sido o meu primeiro poema, publico-o para vosso deleite com um grande beijinho para todos.
Espero que gostem e que dêem o necessário desconto pelas imperfeições. Não esqueçam que foi o primeiro... :)


Com o Sol à lareira

O Sol hoje não se pôs,
Ficou junto a mim à lareira e sorriu,
Lançou os seus quente braços,
Ao derredor da minha cintura,
Passeou-os lascivamente p'la minha pele glabra,
E nívea como leite.

Senti um frémito de prazer voluptuoso,
Entrelaçar as minhas vísceras,
Como se estivesse a ser penetrada,
Numa noite de luar de Agosto.

Adormeci, sem dar por isso,
As minhas pálpebras apenas s' fecharam com gosto.

Elsa, Fontinha/Guifões 2003

sábado, 6 de outubro de 2007

Eu, que sou feio...

Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,

Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso.

Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura.

Nesta Babel tão velha e corruptora,

Tive tenções de oferecer-te o braço.


E, quando socorreste um miserável,
Eu que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;

E pus-me a olhar, vexado e suspirando,

O teu corpo que pulsa, alegre e brando,

Na frescura dos linhos matinais.


Via-te pela porta envidraçada;

E invejava, - talvez não o suspeites!-

Esse vestido simples, sem enfeites,

Nessa cintura tenra, imaculada.


Ia passando, a quatro, o patriarca.

Triste eu saí. Doía-me a cabeça.

Uma turba ruidosa, negra, espessa,

Voltava das exéquias dum monarca.


Adorável! Tu muito natural,

Seguias a pensar no teu bordado;

Avultava, num largo arborizado,

Uma estátua de rei num pedestal.


Cesário Verde (1855-1886)

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Bóiam farrapos de sombra


Bóiam farrapos de sombra
Em torno ao que não sei ser.
É todo um céu que se escombra
Sem me o deixar entrever.

O mistério das alturas
Desfaz-se em ritmos sem forma
Nas desregradas negruras
Com que o ar se treva torna.

Mas em tudo isto, que faz
O universo um ser desfeito,
Guardei, como a minha paz,
A 'sp'rança, que a dor me traz,
Apertada contra o peito.

Fernando Pessoa (१८८८-1935)