sábado, 6 de outubro de 2007

Eu, que sou feio...

Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,

Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso.

Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura.

Nesta Babel tão velha e corruptora,

Tive tenções de oferecer-te o braço.


E, quando socorreste um miserável,
Eu que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;

E pus-me a olhar, vexado e suspirando,

O teu corpo que pulsa, alegre e brando,

Na frescura dos linhos matinais.


Via-te pela porta envidraçada;

E invejava, - talvez não o suspeites!-

Esse vestido simples, sem enfeites,

Nessa cintura tenra, imaculada.


Ia passando, a quatro, o patriarca.

Triste eu saí. Doía-me a cabeça.

Uma turba ruidosa, negra, espessa,

Voltava das exéquias dum monarca.


Adorável! Tu muito natural,

Seguias a pensar no teu bordado;

Avultava, num largo arborizado,

Uma estátua de rei num pedestal.


Cesário Verde (1855-1886)

2 comentários:

Anónimo disse...

Minha querida Elsa

Assim que me disseram que tinhas feito um blogue não aguentei a ânsia de cá vir, para te deixar um grande abraço e dar-te o meu apoio e a ajuda que necessitares.

Sabes que adoro a tua poesia, mas estou surpreso com este teu 1º poema, que nunca me mostraste.
Estou agora a conhece-lo em primeira mão.

Acho-o muito agradável. apesar de obviamente se perceber - quem conhece a tua poesia - a distância que o separa das coisas maravilhosas que escreves presentemente.

Boa sorte para este teu blogue.

Recebe um grande abraço e um beijo,
do teu Amigo e colega,
Armando Pontes

ps. Nunca esquecerei aquela noite em Ibiza...

Elsa Soares Regojo disse...

Querido 'Man',

Não faz mal teres-te enganado a colocar o teu simpático comentário.

Obrigada pelo teu apoio.
Como sei que tens imensos conhecimentos a respeito destas coisas da internet e computadores, é provável que te 'chateie' um destes dias para tirar umas dúvidas que tenho.
Sei que não te importas e que até somos capazes de aproveitar a deixa para fazer outras coisas bem agradáveis :).

Também não consigo esquecer Ibiza...

Grande beijo,
Elsa